Marcos Decliê

Arrisque tudo pela verdade



Equilíbrio em corda bamba

Arrisque tudo pela verdade; ou então você vai continuar descontente. Você vai fazer muitas coisas, mas nada realmente vai acontecer com você. Você vai se movimentar bastante, mas nunca vai chegar a lugar nenhum. O resultado no fim será quase absurdo.
É como se você estivesse faminto e simplesmente fantasiasse sobre o alimento — maravilhoso, delicioso. Mas fantasia é fantasia, não é real. Você não pode comer um alimento irreal. Por momentos você pode se iludir, pode viver num mundo de sonho, mas o sonho não lhe dá nada. O sonho tira muitas coisas e não dá nada em troca.
O tempo que você gasta usando uma personalidade falsa é simplesmente desperdiçado; você nunca o terá de volta. Esses mesmos momentos poderiam ter sido de verdade, autênticos. Até mesmo um único momento de autenticidade é melhor do que uma vida inteira de vida inautêntica. Portanto não tenha medo.
A mente vai lhe dizer para continuar protegendo os outros e a si mesmo, para se manter em segurança. É assim que milhões de pessoas estão vivendo. Freud, em seus últimos dias, escreveu uma carta a um amigo sobre o que havia observado — e ele realmente observava a fundo, ninguém observou de maneira tão profunda, tão penetrante, tão persistente e científica; ele dizia na carta que até onde havia observado ao longo da vida, uma conclusão parecia ser absolutamente certa: a de que as pessoas não podem viver sem mentiras.
A verdade é perigosa. As mentiras são muito doces, mas irreais. Deliciosas! Você continua dizendo doces nadas à pessoa amada e ela continua suspirando em seus ouvidos nada além de doces nadas. E enquanto isso a vida segue escorrendo por entre as suas mãos e todo mundo se aproxima cada vez mais da morte.
Antes de a morte chegar, lembre-se de uma coisa: é preciso viver o amor antes de a morte acontecer. Do contrário, você terá vivido em vão, e toda a sua vida terá sido fútil, um deserto. Antes de a morte chegar, tenha certeza de que o amor aconteceu. Mas isso só é possível com a verdade.
Portanto, seja verdadeiro. Arrisque tudo pela verdade e nunca arrisque a verdade por nada mais. Deixe que esta seja a lei fundamental: mesmo que eu tenha de sacrificar a mim mesmo, à minha vida, vou fazer esse sacrifício pela verdade; mas a verdade eu não sacrificarei por nada. E você sentirá uma imensa felicidade, uma bênção inimaginável cairá sobre você.
Se você for sincero, tudo o mais se tornará possível. Se você for falso — só uma fachada, uma pintura, um rosto, uma máscara — nada será possível. Porque, com o falso, apenas o falso acontece, e com a verdade, só a verdade.
Eu entendo o problema, o problema de todos os amantes: no fundo, todos eles têm medo. Eles continuam imaginando se o relacionamento será forte o suficiente para suportar a verdade. Mas como você pode saber de antemão? Não existe conhecimento a priori. É preciso fazer para conhecer.
Como você vai saber, sentado dentro de casa, se será capaz de resistir à tempestade e ao vento lá fora? Você nunca esteve na tempestade. Vá e veja! Tentativa e erro é a única maneira. Vá e veja — talvez você seja derrotado, mas mesmo na derrota vai se tornar mais forte do que é hoje.
Se você for derrotado por uma experiência, depois por outra e mais outra, o simples fato de ir contra a tempestade vai deixá-lo cada vez mais forte. Um dia chegará em que você simplesmente começará a gostar da tempestade, simplesmente começará a dançar na tempestade. Então a tempestade não será um inimigo — essa também é uma oportunidade, uma oportunidade radical, de ser.
Lembre-se: nunca as pessoas se tornam um ser de maneira agradável; do contrário, isso aconteceria a todos. Lembre-se, tornar-se um ser não pode acontecer de maneira conveniente; do contrário, todo mundo não teria nenhum problema. Tornar-se um ser acontece apenas quando se correm riscos, quando se enfrenta o perigo. E o amor é o maior perigo que existe. Ele requer a totalidade do seu ser.
Portanto, não tenha medo; vá de encontro a ele. Se o relacionamento sobreviver à verdade, ele será lindo. Se ele morrer, então também será bom porque um relacionamento falso terminou e agora você será mais capaz de partir para outro relacionamento, mais verdadeiro, mais sólido, mais preocupado com a essência.
Mas lembre-se sempre, a falsidade nunca compensa; ela parece compensar, mas não compensa. Apenas a verdade compensa — e de início nunca parece que a verdade vale a pena. Parece que ela estraga tudo. Se você a olhar de fora, a verdade parecerá muito, mas muito perigosa, terrível. Mas essa é uma visão de fora.
Se você a assumir, a verdade será apenas uma coisa bela. E depois que começar a experimentá-la, prová- la, você vai querer cada vez mais, porque ela lhe trará contentamento.
Você prestou atenção? É mais fácil ser sincero com estranhos. As pessoas que viajam de trem começam a conversar com estranhos e afirmam coisas que nunca afirmaram antes aos amigos, porque com os estranhos não há nada em jogo. Depois de meia hora, a sua estação vai chegar e você vai descer; você vai esquecer e ele irá esquecer o que você disse. Portanto, o que quer que você tenha dito não faz diferença. Nada está em jogo com um estranho.
Ao falar com estranhos, as pessoas são mais sinceras, e elas abrem o coração. Mas ao falar com os amigos, com os parentes — com o pai, a mãe, a esposa, o marido, o irmão, a irmã — há uma profunda inibição inconsciente. “Não diga isso, ele pode ficar magoado. Não faça isso, que ela pode não gostar. Não se comporte dessa maneira; o pai está velho e poderá ficar chocado.” Assim vamos nos controlando.
Pouco a pouco, a verdade é abandonada nas fundações do seu ser e você se torna mais engenhoso e esperto com o que é falso. Você segue sorrindo falsos sorrisos, que estão apenas desenhados nos lábios. Segue dizendo coisas boas, que não significam nada.
Fica entediado com o namorado ou com o pai, mas continua dizendo: “Que bom ver você!” E todo o seu ser diz: “Ora, deixe-me em paz!” Mas verbalmente você segue fingindo. E eles também estão fazendo a mesma coisa; ninguém se torna consciente porque estamos todos navegando no mesmo barco.
Uma pessoa religiosa é aquela que sai desse barco e arrisca a sua vida. Ela diz: “Não importa se eu quero ou não ser sincera. Mas falsa é que não vou ser.” Não importa o que esteja em jogo; experimente, mas não continue seguindo o caminho da inverdade. O relacionamento pode ser forte o bastante, pode resistir à verdade. Então ele é muito, muito bonito.
Se você não puder ser sincero com a pessoa a quem ama, então, quando vai ser sincero? Onde? Se não puder ser sincero com a pessoa que pensa que o ama — se tem medo até mesmo de lhe revelar a verdade, de desnudar-se espiritualmente, se até mesmo ali estiver escondendo — então, onde encontrará um momento e um lugar onde possa ser totalmente livre?
Esse é o significado do amor: que no mínimo na presença de uma pessoa podemos nos desnudar completamente. Nós sabemos que ela nos ama; portanto, não seremos mal-interpretados. Sabemos que ela nos ama; assim o medo desaparece. Podemos revelar tudo. Podemos abrir todas as portas, podemos convidar a pessoa a entrar. Podemos começar a participar do ser de outra pessoa. 
Amor é participação; portanto, no mínimo com a pessoa a quem você ama, não seja falso.
 Eu não estou dizendo para você sair à rua e ser sincero, porque isso criará problemas desnecessários no momento. Mas comece com a pessoa a quem você ama, depois, com a família, e depois com as pessoas que estão um pouco além.
Pouco a pouco, você vai aprender que ser sincero é tão bonito que vai ser capaz de apostar tudo nisso. Então, na rua, a verdade simplesmente se torna o seu modo de viver.
No alfabeto do amor, a verdade tem de ser aprendida com aqueles que estão muito próximos, porque eles irão entender.

Osho, em "Intimidade: Como Confiar em Si Mesmo e nos Outros"Imagem por crumpart

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